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domingo, janeiro 22, 2006

A justiça é feia, eu vi de perto

Ei escuta aqui, tenho uma coisa pra falar. Sabe a justiça? Vi ela ontem. Acho que ela nunca esteve tão feia. Talvez esteja dizendo isso porque olhei nos olhos dela. Ela não é cega não, sabe. Ela é vesga. Sabe como eu fui parar lá, frente a frente com ela? Eu tava um dia aí, dizendo que as coisas não deveriam ser como são, daí um servo dela me pegou pelo braço e disse Você está preso. Fui preso, humilhado, não pude almoçar, tive meus pulsos apertados por algemas e me senti mal por estar fazendo o que é certo. Mas não vai ficar assim não, eu sei que eles acreditam em Deus e se acreditam em Deus estão fudidos, porque vão queimar com o Capeta no inferno, e serão espetados com os tridentes dos capetinhas risonhos.

Daí vem o topete da justiça me dizer que o papel do estado era fazer com que algo negativo (ou seja dizer que as coisas não deveria ser como são) se torne algo positivo (ajudar os doentes de um hospital). Bem num é que eu queira dizer que ajudar doentes não seja algo positivo, mas em hipótese alguma dizer que as coisas não deveriam ser como são é algo negativo. Agora, se é pra ser assim então tá, vou lá dizer para os doentes do hospital para eles num deixarem de dizer o que eles acham que não deveria ser como é...

quarta-feira, janeiro 11, 2006

em busca de remédio...

Andando na rua, de volta pra casa, ele sentia uma dor de estomago. Havia dias que não se alimentava direito e estava já a mais de um mês entregue a satisfação imediata dos desejos, mas pensava agora que não havia obtido sucesso algum nessa tentativa de viver uma vida sem mais demanda que não o embriagar-se com pessoas amigas. Seu corpo dava sinais de cansaço. Noites inteiras sem dormir e cochilos pelos cantos durante o dia. Chegou em casa, e o sofá era tão providencial que nem tirou o tênis, foi caindo. Uma febre começou a acometê-lo; iniciou-se, pela nuca, uma quentura que logo tomou conta de todo seu corpo. A boca salivava, o estomago ainda doía, era uma ânsia de vômito que chegava sem se apresentar e assumia papel principal. Lembrou das besteiras que havia comido alguns minutos atrás, “Seria bom mesmo que aquele lixo todo saísse do meu corpo de uma vez”. As vistas foram escurecendo e o braço esquerdo caiu do sofá, sua mão chocou-se com violência contra o chão sujo de seu apartamento. As mini moscas rondavam o lixo da pia, e os malditos pernilongos (qual a razão de existirem?) saboreavam seu sangue ébrio e saiam meio tontos, z-z-z-z-z. Começou a chover, a janela aberta deixava alguns pingos respingarem no seu corpo. Pensou em fechar a janela, mas não havia força para isso. Era uma alma que de tanto castigar o corpo, recebia o troco, sem parcelamento. Os delírios foram chegando, um a um, e logo ouviu-se gemidos estridentes. Sussurrou na direção de deus: Me leve agora...

Caiu no sono e seus sonhos foram ainda mais doentes que sua própria ocupação na realidade dos dias. Então, uma mulher, vestida de um branco translúcido, veio sentou-se no sofá, pôs o rapaz no colo, mediu sua febre, massageou sua cabeça, acariciou seus cabelos. Soprou sua ferida secreta. Ele suspirou fortemente, parecendo aspirar a própria alma que já escapava pelos poros e orifícios do corpo. Acordou com uma vontade imensa de retribuir o agrado àquela mulher. Olhou em volta de si, não havia mulher alguma. Em seu peito o coração batia suave e em silêncio, a casa cheirava a sândalo, ao seu lado, apenas a fumaça de incenso perfumando o ambiente e acalmando-o. Levantou e foi beber uma taça de vinho. Mas não havia mais vinho. Procurou o cigarro, não havia mais. Sobre o balcão de ardósia somente um livro. Pegou-o em suas mãos. Era um Clarisse (seria ela a mulher?)... "É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. (...)" E incorporou-se àquele improviso, e assumiu transparência de Água Viva...

terça-feira, janeiro 10, 2006

Para passar-o-só...

"Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a idéia que fazemos de alguém. É um conceito nosso - em suma, é a nós mesmo - que amamos" Livro do Desassossego - trecho 112.


A Solidão é uma mulher de cabelos negros e longos, de olhos vaziamente profundos e lábios pálidos lilases. Seus dentes, mais brancos que a lua cheia, quase não aparecem em seu sorriso nem natural, nem amarelo Ela anda, sem rumo, mas sempre encontra a direção certa, como se os gritos da noite lhe mostrassem o caminho. E foi assim que achou o caminho de minha casa. Ela está sentada do meu lado e passa a mão pelos meus cabelos. Seus dedos frios tocam minha nuca, sinto um arrepio nas entranhas, ela me sussurra canções no ouvido. Ainda tenho a sensação de estar só, mesmo estando acompanhado de tão fascinante capricho da vida. Ela me faz companhia nessas infindas noites de insônia, com o seu falar silencioso, seu olhar terno. Me aconchego no seu colo, e começo a olhar, com as mãos, a suas mãos e a contar os seus dedos. Toco os seus lábios com a ponta do dedo mínimo, Ela beija minha testa e me diz com um sincero olhar que meu coração precisa descansar...

Mas meu corpo quer calor, quer provar o sabor da maçã, esteja ela madura, verde, de vez. É um querer assim... com um não sei o quê que me deixa de cabelo em pé, que afeta meu sono, já nem consigo mais lembrar os meus sonhos. Sinceramente, eu não estou sendo bom com Solidão, tudo bem que Ela seja uma presença agradável, mas é que, na verdade, estou cansado dessa coisa de Ela sempre chegar sem avisar. Dessa última vez que ela veio me visitar, eu estava esperando Alguém, só que Ela chegou antes e Alguém não quis aparecer, então caí nas invisíveis armadilhas dos seus lisérgicos encantos e agora estou absortamente impregnado por uma idéia repleta de uma peculiar insanidade que guia meus gestos e ordena minhas palavras.

Ainda assim, meu coração, mesmo cansado, vai para a estrada, a procura, pedir carona, rumo a terra dos sentimentos perdidos...

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Silenciódio

Já se passaram mais de duas horas, e fiquei sem falar palavra durante todo o tempo, estou só, e enumero em pensamento minhas posses. Tenho um piano no quarto esperando ser afinado, é quase uma vida esperando sentido. Tenho uma dor de garganta que ganhei de presente da chuva. Tenho os móveis que imóveis estimulam a permanência do silêncio. É que nos últimos dias eu falei demais, todos já sabem das minhas incongruências sentimentais. Falei, pra você, pra ela, pra ele. E agora estou a mais de duas horas em silêncio, escuto o som das teclas sendo apertadas e só. Tenho um segredo que gostaria de não contar mas o silencio é só vocal, os dedos continuam escrevendo pensamentos... é que num sei mais os limites entre amor e amizade, na verdade sei pouco sobre o amor e desconheço a amizade. Ontem, uma amiga veio aqui e senti ódio dela por ter me provocado com sua beleza interior... Fiquei com vontade de fazer amor... com vontade de me doar... mas ainda não me pertenço... Sabe quando se quer ter tudo ao mesmo tempo e acabasse em frente ao computador escrevendo sonhos que não se tornarão realidade? Deixei de agir para escrever e agora me sinto doente... por sentir um pequenino prazer na dor, invisto na solidão em busca de versos bonitos e o que tenho são filhos bastardos e é por odiá-los que os ponho na rede, por não me sentir dono deles é que solto-os por ai, com uma ânsia de que sejam ridicularizados...

domingo, janeiro 08, 2006

Braços e lágrima

Vou sair

pra caminhar

passear

Por outros braços

sei que nos reencontraremos

sei

em nossos abraços


mas

meus passos ainda patinam

passam por pequenos

movimentos vãos

não me atino

não escolho direção

só sei que quero

sentir

de uma vez

o desejo encarnado


escorrer

pelos cantos

da boca

arder

os olhos

arrepiar

o corpo

rasgar

a roupa


e se doer

se uma lágrima

no escuro

quiser sair

deixarei


Será você

também

caindo nos braços

por onde andarei

Passeio...

Tem um visinho meu, ali de baixo, que certa vez me disse, Voce é um cara estranho..., eu respondi agradecido. e é por ser estranho a mim mesmo e a outrém, que resolvir brincar com as palavras aqui nesse oceano de informação. Meu desejo é que as palavras que ficarem por aqui tomem a forma dos peixes luminosos que habitam as profundezas do mar. quero sussurrar, quero respirar, aspirar e expirar-me, quero enfiar o dedo na ferida, jogar pedra na cruz, tirar cisco de olhos alheios e também ser um cisco em olho alheio. Esses dias, entrei dentro de um tufão e senti aquele vento forte quase me arrancar os cabelos, fiquei tonto, assim, como quando se fica sem dormir ou sem comer, e foi bom sentir o frio na barriga, a ânisa, pude conhecer o que estava nos meus bolsos e que saiu voando por ai, pude saber o que se escondia em mim enquanto eu vivia acomodado com o incômodo de pensar em ser feliz pra sempre, e sobreviver ao pelotão de fuzilamento em carros de som que me acordam todos os dias com propagandas de calçado, tecido e pamonha... tenho a janela do meu quarto voltada para o caos do centro de goiania, e esse caos me azucrina, é uma punhalada nas costas do meu sono perturbado, já que tenho tentado dormir pela manhã quando o corpo não resiste mais. Aos conhecidos desconhecidos, escrevo exercícios de imaginação com inocência de adolescente que escreve diário simplesmente para queimá-lo no final do ano, mas neste caso o fogo não serve. Fico a esperar um virus febril ser espirrado na minha cara, para botar meu sistema imunológico em ação, pois sei que ele sabe bem utilizar as palavras do corpo e dá alma na luta por uma sobrevivência amena, simples... mantenho-me estirado no precipício das sensações segurando na beirada com os dedos da literatura...