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quarta-feira, janeiro 11, 2006

em busca de remédio...

Andando na rua, de volta pra casa, ele sentia uma dor de estomago. Havia dias que não se alimentava direito e estava já a mais de um mês entregue a satisfação imediata dos desejos, mas pensava agora que não havia obtido sucesso algum nessa tentativa de viver uma vida sem mais demanda que não o embriagar-se com pessoas amigas. Seu corpo dava sinais de cansaço. Noites inteiras sem dormir e cochilos pelos cantos durante o dia. Chegou em casa, e o sofá era tão providencial que nem tirou o tênis, foi caindo. Uma febre começou a acometê-lo; iniciou-se, pela nuca, uma quentura que logo tomou conta de todo seu corpo. A boca salivava, o estomago ainda doía, era uma ânsia de vômito que chegava sem se apresentar e assumia papel principal. Lembrou das besteiras que havia comido alguns minutos atrás, “Seria bom mesmo que aquele lixo todo saísse do meu corpo de uma vez”. As vistas foram escurecendo e o braço esquerdo caiu do sofá, sua mão chocou-se com violência contra o chão sujo de seu apartamento. As mini moscas rondavam o lixo da pia, e os malditos pernilongos (qual a razão de existirem?) saboreavam seu sangue ébrio e saiam meio tontos, z-z-z-z-z. Começou a chover, a janela aberta deixava alguns pingos respingarem no seu corpo. Pensou em fechar a janela, mas não havia força para isso. Era uma alma que de tanto castigar o corpo, recebia o troco, sem parcelamento. Os delírios foram chegando, um a um, e logo ouviu-se gemidos estridentes. Sussurrou na direção de deus: Me leve agora...

Caiu no sono e seus sonhos foram ainda mais doentes que sua própria ocupação na realidade dos dias. Então, uma mulher, vestida de um branco translúcido, veio sentou-se no sofá, pôs o rapaz no colo, mediu sua febre, massageou sua cabeça, acariciou seus cabelos. Soprou sua ferida secreta. Ele suspirou fortemente, parecendo aspirar a própria alma que já escapava pelos poros e orifícios do corpo. Acordou com uma vontade imensa de retribuir o agrado àquela mulher. Olhou em volta de si, não havia mulher alguma. Em seu peito o coração batia suave e em silêncio, a casa cheirava a sândalo, ao seu lado, apenas a fumaça de incenso perfumando o ambiente e acalmando-o. Levantou e foi beber uma taça de vinho. Mas não havia mais vinho. Procurou o cigarro, não havia mais. Sobre o balcão de ardósia somente um livro. Pegou-o em suas mãos. Era um Clarisse (seria ela a mulher?)... "É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. (...)" E incorporou-se àquele improviso, e assumiu transparência de Água Viva...

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